quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cliente furtivo habitual.

      Eu sou aquele que passa noite após noite a fumar cigarro após cigarro, sentado no canto mais escondido do bar, onde ninguém possa acidentalmente cruzar os olhos com os meus, nem mesmo um cancro. Um sítio estratégico que me permite ver qualquer inimigo a milhas de distância e que me protege de qualquer atirador furtivo. Gente entra, gente sai. E eu sempre aqui. O cliente regular. Aquele que já faz parte da mobília. Um móvel carregado de pó cujas gavetas não são abertas há gerações. Cheias de fotografias bolorentas e amareladas com rostos esquecidos. Não há aqui qualquer tesouro. Não há aqui qualquer herança. Eu já poderia ter criado relações artificialmente familiares com os empregados que me enchem o copo. Mas eles não são mais do que enfermeiros indiferentes que vêm observar a nula evolução deste comatoso ser ligado às máquinas. Não há qualquer ligação. Não há nada em comum. Não há qualquer empatia. Há uma coexistência entre parasita e hospedeiro. Gente entra, gente sai. Cigarros são acesos, cigarros são apagados. Tal como vidas. O passado vai ficando em cinzas, o futuro está enrolado, compacto, perfeito, enquanto o presente arde. E nós inalamos, tentamos travar o fumo que conseguimos chupar da vida o mais que podemos, mas o que fica são sempre as cinzas e nós negros por dentro. E observo os casais e os grupos que não estão perdidos o suficiente para as drogas ilegais, perderem-se nas drogas legais. Ali, um casal que parece já não conseguir estabelecer um mínimo de comunicação há anos. Há sempre um casal, apenas as caras mudam. Embora nunca as expressões. Como entediados deuses omniscientes durante eternidades onde tudo já foi criado e tudo já foi previsto. Vidas que são salas de espera para algo que nunca vem. Eu no canto mais escondido do bar, eles no canto mais escondido da vida.

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